segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

No Pêndulo da Morte. O Passarinho e a Sociedade

Especial - Meio Ambiente: Passarinho ficou durante dias pendurado por uma das pernas, agonizando por causa do lixo e da falta de educação presente em nossas cidades.

Texto: Rafael Dantas, Bahia. História UFBA.

Pássaro, 1861. João Francisco Lopes Rodrigues.
Museu de Arte da Bahia.
 
Quando o pintor João Francisco Lopes Rodrigues pintou em 1861 o quadro“Pássaro”, não poderia imaginar que sua tela um dia ilustraria a triste história que vou contar. O que prende o pássaro da pintura é um barbante. Hoje infelizmente não só barbantes, como outras inúmeras “armadilhas” aprisionam, mesmo sem querer, nossos pássaros.

Em nossas ruas podemos visualizar verdadeiras vitrines. O produto exposto é diverso e não é valorizado pelos humanos. É composto de pequenos objetos brilhantes, macios, resistentes ou mesmo atraentes, que para alguns animais, em um curto espaço de tempo pode significar a sobrevivência ou mesmo um caminho para a morte.

Na primeira postagem de 2013 vamos conhecer parte da história dos pais que sem querer mataram um filho e prenderam o outro também sem querer. Essa pobre vítima é apenas um caso relatado entre outros tantos casos, piores ou não, presentes nos mais diversos cenários urbanos.

A história.

Na quinta feira dia 17 de janeiro, o periquito que criamos se assustou com alguma coisa e voou em direção a alguns prédios no bairro da Barra (Salvador – Bahia, Brasil). Relato o ocorrido porque o sumiço do nosso periquito – de nome Teco – está diretamente relacionado ao achado do passarinho também no bairro da Barra. Na ânsia por achar logo nosso periquito saímos procurando desesperadamente por todo o quarteirão, já que ele não voa direito. Ao passarmos por uma das ruas, minha irmã percebeu que preso ao ar condicionado de um dos edifícios alguma coisa estava se debatendo. De imediato ela não percebeu que era um passarinho, ainda mais na correria para tentar achar Teco.

 
Região onde Teco foi visto.

No sábado (dia 18) minha mãe que também saiu à procura de Teco, avistou nesse mesmo lugar alguma coisa se debatendo, como já estava anoitecendo, ela pensou que era um morcego. No domingo dia 20, meu pai e minha irmã saíram mais uma vez para procurar o nosso periquito desaparecido. Quando minha irmã ao perceber que a “coisa” continuava a se debater, perguntou para meu pai se era um passarinho, meu pai imediatamente confirmou.
 
No quarto andar do prédio
estava o passarinho.
Imagem: Rafael Dantas, Bahia.

Ali estava um passarinho pendurado por sua própria perna de cabeça para baixo, parecendo um pêndulo. Ele não se debatia mais, porém ainda estava vivo ao sopro do vento.

Quando voltaram para casa eu e minha mãe ficamos sabendo da história, e fomos tentar resgatar o pássaro. Ao chegarmos presenciamos o sofrimento de um animal que nasceu para voar, aprisionado em seu próprio ninho, por uma de suas pernas. O ar condicionado – onde o passarinho estava preso – era de um apartamento que estava a venda – existia uma placa de venda - e não tinha ninguém lá. Por coincidência, milagre, ou quem sabe “já estava escrito”, o dono do apartamento chegou na mesma hora que eu interfonei para um dos apartamentos, na esperança de salvar o pássaro.

Ao chegar no quarto andar – depois de ter falado com o dono - vi a triste situação. O pássaro estava preso por uma das pernas no próprio ninho feito pelos pais. No ninho tinha tudo, cabelo, barbante, linha de costura, algodão, espuma, tecido, restos de sacos plásticos, pequenas cascas de árvores usadas em jardinagem, fio dental, e galhos de árvores, entre outras coisas. Tirar o pássaro desse emaranhado foi terrível, afinal ele estava bem preso, e tive que ficar com boa parte do corpo para fora da janela com os braços para o alto desmontando o ninho e segurando o pássaro. Depois de alguns minutos, o retiramos e levamos para casa. Registro a atenção e torcida dos donos do apartamento, para que conseguíssemos salvar a inocente vítima.

Preso ao ninho, por causa do lixo, o passarinho ficou por dias assim.
Imagem: Rafael Dantas, Bahia

Fato que merece destaque é que os pais - do passarinho pendurado - acompanharam todo o salvamento, inclusive cantando e voando em volta dele. Tudo indica que durante o tempo em que o pássaro estava preso, os pais o alimentaram ou tentaram alimentar, mesmo de cabeça para baixo. Em nenhum momento eles abandonaram o pequeno “sanhaço” do gênero Tharaupis. Podemos afirmar que o pássaro deve ter ficado preso de cabeça para baixo por mais de cinco dias, ou quem sabe mais. Um absurdo que poderia ser facilmente evitado.

Em casa, observamos os detalhes dos danos causados ao pássaro. A perna que estava presa, infelizmente está com princípio de gangrena, muito inchada, e em uma posição inadequada, devido o tempo que ele ficou pendurado no ninho. Ao retirarmos o resto do ninho preso a perna, percebemos que o irmão dele morreu ainda menor e já há algum tempo. O que mais chamou a atenção foi o fato do irmão ter engolido o barbante que estava preso à perna do passarinho resgatado. Os dois irmãos permaneceram unidos, só que um morto no ninho e o outro vivo preso no barbante engolido pelo irmão e em outras “armadilhas urbanas”.

O irmão do pássaro salvo. Detalhe para o pedaço do barbante que foi engolido.
Imagem: Rafael Dantas Bahia.
A situação da perna do pássaro.
Imagem: Rafael Dantas Bahia.
A história relatada nesse blog mostra um caso entre milhares de outros que sabemos que existe, e outros que jamais conheceremos. O sanhaço salvo não anda e não voa, está vivo, porém está se alimentando com a ajuda da minha mãe. Os dejetos que estavam no ninho continuarão sendo descartados nas ruas, e mais pássaros e outros animais serão vítimas dos racionais humanos. Outros tantos cadáveres e amputados - como os pobres pombos sem perna - continuarão compondo os mais diversos cenários urbanos, e vários outros pássaros que deveriam estar voando, continuarão presos feito “pêndulos ao vento”, a espera de mudanças significativas em nossa sociedade, esta infelizmente presa a ignorância e insensibilidade, onde os “ventos” não são nada bons.;.  

O Sanhaço (que ganhou o nome de Hórus) infelizmente morreu nas mãos de minha mãe semanas depois. E Teco, depois de semanas desaparecido, foi encontrado.

 

Rafael Dantas, Bahia.