sábado, 7 de junho de 2014

Machado de Assis: Simplificação para o século XXI

Observações sobre o projeto de Patrícia Secco que visa “simplificar” a obra de Assis. E sobre nossa atualidade destrutiva e não contemplativa.

Machado de Assis Simplificado. Imagem de Marc Ferrez 1890.
Em simples reprodução feita no Paint especialmente para o texto.
Blog Rafael Dantas, Bahia.


Texto: Rafael Dantas.
História.
Universidade Federal da Bahia.
Em tempos atuais muitos são guiados pelo imediato, pelo espetáculo – algumas vezes onde não existe, pelo não contemplativo, por uma corrida descontrolada pelo o que cada um considera “modernidade”. Não se tem tempo mais para nada, é tudo dinheiro e mais dinheiro.
 No meio dessa corrida altamente destrutiva e reconstrutiva nos escombros daquilo que não é mais aceito, complicado demais, velho, ultrapassado, perdem-se as matas, o patrimônio histórico, clássicos literários e musicais, e por ai vai. Entre tudo isso surge a grande discussão sobre a simplificação de Machado de Assis, José de Alencar e outros autores.
Se a ideia da autora Patrícia Secco é facilitar o acesso a leitura, trocando palavras por outras mais “simples”, e a pontuação das obras de Machado, não parece que teremos uma facilitação na leitura das obras de Machado de Assis escritas no século XIX, e sim uma simplificação em uma releitura Machadiana no século XXI. Entendo e até posso parabenizar Secco pelo projeto que visa o acesso a leitura, em um país onde muito não leem. Contudo, pelo o que foi divulgado em diversos jornais até agora, a árdua tarefa de Secco pode simplificar ao ponto de não termos mais o autor na obra, e sim interpretações.
João C. C. Rocha esclarece que não condena os esforços de “adaptação” para públicos mais amplos, elencando vários exemplos, nacionais e internacionais[1] já realizados. Mas, em relação ao trabalho de Secco: “parece ser completamente alheio à literatura do autor de O Alienista.”
A palavra “sagacidade” vira “esperteza” (no projeto de Secco). “Esperteza evoca o célebre jeitinho brasileiro e seu sentido nada tem a ver com o contexto das quatro ocorrências da palavra na obra (O Alienista)”
João Cezar de Castro Rocha professor de literatura comparada da UERJ e autor de ‘Machado de Assis: Por uma poética da Emulação’ Editora Civilização Brasileira. A convite do Estadão. [2]
Onde Machado de Assis escreve: “Uma volúpia científica alumiou os olhos de Simão Bacamarte”; Patrícia Secco traduz: “Uma curiosidade cientifica iluminou os olhos de Simão Bacamarte”.
José Maria e Silva. Jornal Opção, Edição 2028.
[3]
Não entendam minhas palavras como não adeptas as necessárias mudanças da nossa sociedade.  Apenas reflito que certas coisas, como a obra de Machado de Assim, deva continuar como está, e não adaptada ao ponto que possa girar em torno do “futebol, carnaval e Funk[4]...” - só falta acontecer isso.  Que se invista em uma verdadeira Educação, em reais e significativas mudanças sociais - não paliativos. Para que ai sim os leitores possam finalmente se deleitar nas obras de Assis, Alves, dos Andrade, Amado, Meireles, Alencar, Rosa, Barreto, Bandeira, Quintana, Lobato, Ramos, Abreu, Lispector e outros tantos escritores brasileiros.
“O estilo de Machado é direto e coloquial. Alterando-o, nada restará do escritor”
Alcides Villaça da USP. Em Tribuna do Norte. 24 de maio de 2014.[5]
Em relação a presente dificuldade em ler os livros de Machado de Assis, proponho que a próxima edição traga as palavras ou termos considerados mais difíceis destacados - e não modificados - e com o significado ao lado. Uma consulta no dicionário já era o suficiente, mas, para facilitar acho que isso já ajuda e muito.
 Quando Ubaldo Ribeiro escreve (sobre o caso): “Mas, quanto aos autores vivos, pode-se incentivá-los (ou obriga-los, conforme o momento) a ater seus escritos ao Vocabulário Popular Brasileiro,”[7]. Imagino uma realidade onde parece que cada vez mais o individuo está perdendo suas características, e deixando sua capacidade inovacionista e criativa, para tentar se adequar ao geral ou popularizar seus trabalhos. Onde fica o perfil de cada um? Onde fica os estilos? Será que no futuro o “eu” de cada um não existirá mais? Tudo será ou tentará ser a mesma coisa? Se as coisas continuarem assim chegará o dia em que teremos o triunfo dos medíocres, respaldados quem sabe por algum governo, isso se esses dias medíocres já não estão acontecendo. Perguntas e mais perguntas que aos poucos serão respondidas pela própria sociedade. Que de forma alguma se ligam obrigatoriamente a polêmica do projeto de simplificar Machado de Assis. Entre exageros ou quem sabe previsões, ou visões realistas da sociedade, Ubaldo Ribeiro (e outros) mais uma vez escreve trazendo luzes entre lanternas que também possuem luzes, mas às vezes com focos desfocados.
“O foco específico do projeto é a doação de livros para pessoas que não tiveram oportunidade de estudar ou tiveram acesso a um ensino de baixa qualidade”[8].
Patrícia Engem Secco. Especial para o UOL[9].
 O problema não está na distribuição de milhares de livros - isso é ótimo, fantástico - e sim no que está sendo distribuindo - com dinheiro público (mais de 1 milhão). A substituição de palavras não fará o aluno, ou qualquer outra pessoa, gostar de Machado de Assis. Só se gosta de um autor conhecendo o que ele escreveu, identificando alguma coisa que nos aproxime da obra.  Que se distribuam “chaves” para facilitar, auxiliar na leitura de Machado, mas não modificar o escrito da forma apresentada até agora.
Deve-se mostrar o encantamento que a leitura proporciona, a mágica das palavras, as possibilidades presentes na leitura de cada livro. Ler é uma tarefa que exige atenção e dedicação. Por isso que iniciei o texto trazendo a questão contemplação e hoje contemplar algo é cada vez mais raro.

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[1] Em http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,especialista-em-machado-de-assis-analisa-iniciativa-de-simplificar-obras,1164214
[2] http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,especialista-em-machado-de-assis-analisa-iniciativa-de-simplificar-obras,1164214
[3] http://www.jornalopcao.com.br/reportagens/discipula-de-paulo-freire-assassina-machado-de-assis-4399/
[4] Não afirmo que intenção de Secco seja essa.
[5] http://tribunadonorte.com.br/noticia/machado-de-assis-simplificado/282731
[6] http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/luis-antonio-giron/noticia/2014/05/nao-toquem-em-bmachado-de-assisb.html
[7] Sobre a polêmica Ubaldo Ribeiro Escreve: http://oglobo.globo.com/opiniao/reescrevendo-historia-12671527
[8] As obras modificadas por Secco e equipe estão em: http://www.reciclick.com.br/biblioteca-digital/
[9] http://entretenimento.uol.com.br/noticias/redacao/2014/05/13/opiniao-machado-nao-gostaria-de-permanecer-desconhecido-para-quem-nao-le.htm

***
As melhores avaliações sobre as modificações realizadas por Secco e equipe foram a de José Maria e Silva e João Cezar Castro Rocha.
O interessante texto de Danilo Venticinque foi um dos poucos (único encontrado) a apoiar o projeto de Patrícia Secco.

“... ler é mais compensador que jogar videogame ou assistir a uma série de televisão.”
Luís Antônio Giron. Revista Época. 29 de maio de 2014.[6]

Referências e indicações sobre o caso:
*Atenção. A divulgação dos textos e imagens do Blog só pode ser feita com a devida referência do link, nome do autor dos artigos e nome do Blog. Atenciosamente Rafael Dantas