sexta-feira, 30 de março de 2012

De portas abertas para um novo Declínio

Especial História do Centro Histórico de Salvador - Um Patrimônio da Humanidade "entregue" ao descaso e ao abandono: Pelourinho. 
http://rafaeldantasbahia.blogspot.com.br/2012/03/de-portas-abertas-para-um-novo-declinio.html 

Texto Rafael Dantas.
História UFBA

Das portas da Catedral Basílica de Salvador podemos ver o Terreiro de Jesus (Praça 15 de Novembro). No fundo a Igreja de São Francisco (a direita) e a Igreja de São Domingos (a esquerda). Diante um dos cenários mais belos de Salvador um Pelourinho sem a merecida atenção.
Imagem: Rafael Dantas, Bahia.

O local era de importância estratégica para recém-fundada Cidade do Salvador em 1549, pelo primeiro governador geral do Brasil Tomé de Souza. Ao longo dos séculos centenas de casarões e dezenas de igrejas embelezaram a região estabelecendo importantes marcos para a Salvador.
- Nos limites da antiga cidade, ultrapassando os velhos muros, se desenvolveu o que Salvador viria a ser séculos depois.
Durante séculos foi o espaço escolhido por ricas famílias que ali instalaram suas casas em estilo colonial, das quais muitas ainda sobrevivem, mesmo com as transformações efetivadas. Até o final do século XIX era uma área eminentemente residencial, entretanto nas primeiras décadas do século XX, nota-se significativas mudanças da elite econômica soteropolitana para outras regiões de Salvador. Na parte baixa o intenso comércio representava a pujança de um dos maiores e mais importantes portos do mundo até o século XIX.
Planta da Cidade do Salvador, João Teixeira Albernaz, o velho - 1631. Mostra a Cidade da Bahia ainda com suas portas e muros, cercada pelo Dique.
Imagem Atlas Estado do Brasil

Cidade do Salvador. Primeira capital do Brasil. 1629, Hassel Gerritsz. O desenho representa a invasão holandesa na cidade do Salvador em 1624.
Livro; Imagens e Vilas do Brasil Colonial, Nestor Goulart Reis.

Em inícios do século XX ao século XXI muitas intervenções e mudanças ocorreram devido ao processo de decadência vivenciado e, apesar de alguns equívocos no processo de restauração, o Pelourinho continuou belo, mas enfrentando sérias dificuldades em manter sua qualidade urbana, o que tem espantado tanto os turistas como principalmente os soteropolitanos.

O colorido de seus casarões aos poucos foi sendo substituídos pelo cinza da sujeira expondo a vergonhosa desatenção do poder público com o patrimônio histórico, seus moradores e os que ali circulam. O riquíssimo sítio da Cidade do Salvador, repleto de história e belezas nos seus mais diversos sentidos, já há alguns anos se encontra num estado de decadência, e os arredores do Centro Histórico também. Passado o momento da revitalização na década de 1990, o Pelourinho e seu entorno, enfrentam atualmente graves problemas para manter em pé seus centenários casarios e continuar sendo uma das maiores referência da Bahia.

É bem verdade que muito da marcante cultura baiana ainda pode ser apreciado em suas ruas. Mesmo com a situação de abandono e insegurança, o Pelourinho vive em suas velhas ladeiras ladeadas por belos sobrados com seus moradores. Mas é inegável que a decadência do espaço arquitetônico e principalmente o social, está visível em todos os lugares do divertido Pelô. 


A Revitalização

Antonio Carlos Magalhães (a direita) inaugurando uma das etapas da revitalização do Centro Histórico de Salvador na década de 1990. Na imagem o Cardeal Dom Lucas Moreira Neves (ao lado do presidente de Portugal) e o presidente de Portugal  Mario Soares (a esquerda).
Imagem (recorte): Rede Bahia inicio da década de 90.

“É sempre voltado para um grande passado que se constrói um presente e um futuro maiores...” Senador Antonio Carlos Magalhães, Salvador 22 de julho de 1999. Frase da placa de inauguração do Quarteirão Cultural do Pelourinho, Praça ACM. Centro Histórico de Salvador.
Em finais da década de 60 e inicio da década de 70 tivemos as primeiras atenções voltadas para o patrimônio arquitetônico do Centro Histórico de Salvador. Na década de 80 todo o conjunto foi reconhecido como Patrimônio da Humanidade e nos anos de 1990, na gestão do governador Antônio Carlos Magalhães, tivemos a revitalização do Centro Histórico de Salvador.
Nesse período centenas de casarões, igrejas e demais espaços foram revitalizados. Impasses também marcaram o momento da revitalização do Pelourinho, entre eles podemos mencionar a desapropriação de moradores da região. "Também deve ser visto criticamente a opção por transformar a região numa vitrine turística, o que tornou os empreendimentos ali instalados vítimas das oscilações dos períodos de baixa e alta estação", Lembra a professora Maria Hilda B. Paraíso*. Mesmo com os “altos e baixos” o Pelourinho, que ficara mundialmente conhecido como uma referência de efervescência cultural na época, já ha algum tempo voltou ao seu "estado" de decadência e esvaziamento.

"Nos anos 90, toda a região do Pelourinho ganhou o tratamento que eu imaginara utópico em 1972. Há queixas contra os métodos usados para a retirada dos moradores. Há a frase bonita de Verger: “Devia se erguer no Pelourinho um monumento às putas.” Elas é que mantiveram de pé esse pedaço da cidade".   Caetano Veloso, O Globo 8/05/2010 "

O Declínio
Depois de meados do século XX os momentos de “glória” do pelourinho foram aos poucos se esvaindo em relação aos novos espaços da cidade. Porem é interessante observar que o próprio abandono que isolou o Pelourinho nas décadas de 50 e 60, dando uma fama negativa ao lugar, fora também o responsável pela preservação dos vários casarios. Enquanto outros bairros de Salvador viviam o que chamo de “chama da modernização”, passando por importantes mudanças na sua paisagem e a perda de importantes símbolos do passado como: casarões, palacetes, solares, e demais construções, sendo demolidas para dar lugar a novos prédios. [Clique aqui para ver artigo sobre a derrubada dos casarões do Corredor da Vitória, Graça, Barra e Campo Grande] Os velhos sobrados do Centro Antigo de Salvador mesmo com o declínio, permaneceram em seus lugares originais, passando por transformações que não abalaram suas principais características.
Um dos mais belos e conhecidos cartões postais do mundo, o Pelourinho Salvador Bahia. Suas encantadoras ladeiras com casarões e ricas igrejas. Na imagem à direita, a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e ao fundo a esquerda a Igreja do Santíssimo Sacramento, há séculos destaque na paisagem.
Imagem: Rafael Dantas, Bahia.


No século passado, especialmente a partir da década de 1960, os polos comerciais, administrativos e de lazer (econômicos), foram aos poucos transferidos para novas zonas da capital baiana. Esse fenômeno se acentuou com a abertura de novos espaços como o Iguatemi e a Paralela, locais onde foram se concentrando empreendimentos comerciais, que aos poucos começaram a concentrar vários serviços. Já o velho Centro de Salvador, especialmente o Comércio e Pelourinho, passaram pela a perda de suas antigas funções para esses novos locais.

Hoje o declínio é ainda pior

Por falta da atenção da prefeitura e do governo do Estado, nos últimos anos, todo esse importante patrimônio, estruturado para o turismo, está perdendo tanto em visitantes como o próprio acervo arquitetônico aos poucos vai se degradando. É bem verdade que recentemente o Governo do Estado empreendeu algumas obras de recuperação em algumas igrejas e casarões. Mas ai infelizmente podemos facilmente ligar tais ações a proximidade das eleições. Claro que não podemos deixar de perguntar “será que foi necessário esquecer propositalmente por tantos anos esse importante centro, para agora em época de eleição fazer alguma coisa?”. Certamente necessário não foi, mas por diversas questões envoltas na falta de planejamento do governo e da prefeitura, quem sofreu foi justamente o patrimônio e todos os baianos.

"O atual governo do PT precisaria se posicionar de forma clara face ao legado de ACM. Sentir que talvez haja desprezo pelo Pelourinho deprime."      
Caetano Veloso, O Globo 8/05/2010
Casarões do Comercio Salvador Bahia, belos e muitos em ruinas. Um dos vários exemplos do péssimo estado de conservação do patrimônio Histórico de Salvador. Á direita o Mercado Modelo, ao lado a casa de azulejos azuis, (futuro Hotel Hilton).
Imagem Rafael Dantas, Bahia .

Não iremos tratar nesse momento do Bairro do Comércio, teremos um texto especial sobre essa região em breve. Mas não podemos deixar de citar que toda a rica área está em um estado ainda pior.

Voltando ao pelourinho, não poderíamos deixar de mencionar o péssimo estado que se encontram importantes símbolos da cidade. A grandiosa Catedral Basílica de Salvador vem perdendo aos poucos elementos de sua decoração interna, sem falar no péssimo estado de conservação do Terreiro de Jesus que fica em frente à Catedral. A Praça da Sé, local onde se encontra a conhecida fonte luminosa, também anda no mesmo caminho. Importantes locais onde décadas atrás música, arte e tantos outros eventos aconteciam, hoje continuam a acontecer, mas com a infeliz companhia da insegurança.

Detalhe da deterioração da decoração interna de um dos altares da Catedral Basílica de Salvador.
Imagem: Rafael Dantas, Bahia

Durante o dia tanto o turista como o cidadão soteropolitano é aconselhado a não passear por determinadas ruas do Pelô devido o risco de serem assaltados ou vítima de algo pior. O Elevador Lacerda, ícone de nossa cidade, que foi tema de um texto especial em nosso blog [click aqui], sofre com a desatenção da prefeitura. Demais espaços do Pelourinho aos poucos vão deixando de ser cartão postal e entram no rol do abandono e de zonas perigosas. Durante a noite nem comentamos.

Diante a vergonhosa situação que estamos presenciando em nosso centro antigo, decidi escrever aquilo que observei nesses tristes anos. Em especial na minha última visita a Catedral Basílica, tive a triste oportunidade de ver das suas enormes portas, um pelourinho que não brilha mais; casarios, igrejas e pessoas sem sorriso no rosto.
- Das centenárias portas abertas da Catedral Basílica de Salvador podemos hoje observar todo um declínio que parece não ter fim.
Podemos infelizmente viver uma nova fase do abandono do Pelourinho. Só que dessa vez pequenas “maquiagens” escondem a real situação de todo o espaço degradado. Fica difícil acreditar que motivos medíocres ainda direcionam as decisões de nossos políticos. Fica ainda mais difícil acreditar que tanta beleza está entregue ao desamparo que, às vezes, parece ser proposital ou motivado por alguma revanche política.•.

Parabéns Cidade do Salvador. No dia do seu aniversario 29 de março, espero que seu futuro seja repleto de melhorias. Obrigado e Parabéns. Atenciosamente: Rafael Dantas, Bahia e leitores.


[Click nas imagens para ampliar]

***

Agradecimentos Especiais:
*Prof. Dra. Maria Hilda Baqueiro Paraíso. Universidade Federal da Bahia.

Referências:
SILVA. Cecília Luz da. A Cidade de Salvador nos seus 454 anos.

SAMPAIO, Consuelo Novais. 50 anos de urbanização : Salvador da Bahia no Século XIX. Rio de janeiro : Versal, 2005.
Jornal O Globo Caetano Veloso: http://oglobo.globo.com/cultura/caetano-veloso-estreia-coluna-no-globo-politica-largo-da-ordem-3011365

*Atenção. A divulgação dos textos e imagens do blog assinados por Rafael Dantas, Bahia. Deve ser feita com a devida referencia do link, nome do autor dos artigos, e nome do Blog. Atenciosamente.

4 comentários:

  1. Muito bom o texto. Sempre que passo ali pelo Comércio a sensação de abandono e descaso com o lugar é evidente.

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  2. Obrigado qrande amiga Jaqueline. Realmente os casarões do Comércio aos poucos vão virando lembranças. O descaso como lugar infelizmente é evidente.

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  3. Que D+!!
    Sempre me interessei pela História da Bahia, quando fazia colegial era o assunto q eu mais gostava de estudar. E sempre a cada minuto e segundos tudo muda, e o q era velho, vira novo. Adorei mesmo!! Parabéns Rafa Simas! Brincadeira Rafa DANTAS!

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    1. Olá Yri.
      Muito Obrigado... Você sabe que sua opinião é muito importante.
      Um forte abraço, e espero que você goste das próximas viagens pela a Bahia e pelo o mundo.
      Até mais.
      Vlww...
      Rafael Dantas, Bahia.

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